terça-feira, 26 de junho de 2012

Minha crônica, sobre abandono de animais. Publicada no DGABC
















No começo era isso: Bóris ficava no portão à espera de
Pedro para brincar com a bolinha de tênis. Era uma festa
só. Uma amizade que se estendia a cada dia. Com chuva
ou sol, lá estavam eles dando uma voltinha pelo bairro.
Por anos e anos a rotina se repetiu, Bóris, mestiço de
pastor-alemão, era seu “cãompanheiro” nas horas boas e
nas horas ruins.

Os anos foram passando, a saúde do amigo de Pedro
não era mais a maratona de jogar bolinhas e correr no
imenso quintal. O cão foi ficando velhinho e as brincadeiras
se resumiram ao dono tentar acertar biscoitos em sua
boca.

Mas, assim como qualquer pessoa, os bichos envelhecem
e podem ter problemas de saúde. Não foi diferente
com Bóris. Preso a uma cadeira de rodas adaptada, já não
podia fazer muito exercício. Então, o pior aconteceu: o
que Pedro faria com um cão assim?

Bóris foi abandonado à própria sorte, pelo simples fato
de não poder mais brincar, correr ou passear. Recebia comida
e água de pessoas que viam sua situação. Sozinho,
deitado numa folha de jornal, ele agradecia aos benfeitores
com uma bela lambida. Às vezes parecia até sorrir. Velho,
deficiente, mas com brilho especial. Nunca abandonaria
ninguém. Essa fidelidade já é dos cães.

Até que um anjo da guarda foi ao encontro do cão. Carregava
uma plaquinha para pendurar no pescoço dele na
qual se lia: “Amigo Bóris”.

O anjo abriu a porta da casa humilde. Todos receberam
Bóris com muita alegria. Uma criança de 7 anos que amava
bichos o convidou pra brincar no quintal. A alegria foi
completa para aquela família e seu cão. Ele voltou à vida.
Não sentia mais frio, sede ou fome e tinha o amor incondicional
daquelas pessoas.

Mas e o Pedro? Aos 65 anos, aposentado, morava sozinho.
Seus filhos, curtindo a casa de luxo da praia, mal tinham
tempo pra ver o pai. Seus netos estudavam, tinham
tarefas da escola e nos fins de semana brincavam com outros
coleguinhas no litoral.

Dona Mercedes, amiga da família, quando podia, dava
uma passadinha lá pra ver se ele queria ir ao banheiro, tomar
banho... Era difícil fazer tudo sozinho em uma cadeira
de rodas. Isso mesmo: uma queda do topo da escada
de sua bela casa fez com que não sentisse mais nada da
cintura pra baixo. Ele dependia dos outros, mas nem todo
mundo o ajudava.

Muitas vezes ficava sem banho, sem fazer
suas necessidades no devido lugar e tinha que conviver
com isso. Ele podia pagar, tinha muito dinheiro, mas
parece que isso não resolvia nessas horas. A senhora, que
anos antes era apaixonada por ele, bufava ao pensar que
tinha o compromisso em cuidar do homem. Mas, afinal
ela estava sendo remunerada.

Seu humor era terrível, não tinha amigos, não tinha
quem perdesse dez minutos do seu tempo com ele. Estava
lá, deixado de lado. Sua vida se resumia a assistir televisão
e ouvir rádio. O sol já não lhe agradava, a chuva o
aborrecia, e sua mente não o cobrava.

Num dia ensolarado, sentado à varanda, não pensava
em nada. Por ironia do destino, seu amigo Bóris, velhinho,
de passos curtos, passa em frente à sua casa.Sobre
sua cadeira de rodas lustrosa, usava uma coleira linda e
estava acompanhado dos mais preciosos acessórios: os
amigos. Aqueles que o tinham acolhido na hora que mais
precisou.

Como seu faro já não era mais tão aguçado, não percebeu
a presença de Pedro. Ao antigo dono só restou vê-lo
passar, bem tratado e recebendo amor.
E a vida segue feliz, pelo menos para Bóris.


Um comentário:

  1. Muito legal!!!
    Amei! Penso que é assim exatamente que as coisas acontecem para quem não dá o valor devido aquele que para nós so tem amor incondicional e não nos abandona nunca.
    Eu creio muito na lei da ação e reação, e hoje cada vez mais rapido vemos isso acontecendo. As pessoasl nem percebem. Quem sabe um dia cai a ficha desse pessoal! Ainda tenho essa esperança!

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